O mundo está complexo demais para nos contentarmos em apenas responder as perguntas que nos fazem. Quem formula as perguntas tem o poder de enquadrar uma perspectiva da realidade e questionar o status quo. É uma habilidade preciosa para a ciência, a inovação e a transformação social. E, agora, com as as IAs generativas (ChatGPT e outras), precisamos mais do que nunca aprender a fazer perguntas para as máquinas e também a questionar suas respostas.

Vou compartilhar com vocês uma estratégia que adotamos na PUC-SP para incentivar os alunos a fazerem melhores perguntas e, assim, desenvolverem esta habilidade. Neste semestre, eu voltei a lecionar um conteúdo que adoro, apesar de não estar diretamente relacionado com minha área de pesquisa: introdução ao design e história da arte moderna no curso de Design.

Eu me divertido muito nestas aulas não só pelo conteúdo, mas principalmente pela dinâmica pedagógica que exploramos para abordar o ensino de algumas teorias e fatos históricos.

Poderíamos ensinar história da arte de uma maneira tradicional: falando sobre algumas obras, informando datas e comentando os movimentos. Algo expositivo, do mesmo jeito que eu tive aula. Mas o curso de Design da PUC-SP foi desenhado usando PBL (Project-based Learning), o que nos motiva a colocar aula meramente expositiva como última opção.

Então, como ensinar sobre história da arte de uma maneira mais imersiva e interativa?

No nosso caso, combinamos técnicas de storytelling com técnicas de problem-based learning. Criamos um conjunto de contos (narrativas) pensados não para apresentar um conteúdo pronto, mas para instigar a curiosidade dos estudantes.

O nosso foco não é oferecer a explicação por meio das histórias, mas criar mecanismos que engajem os estudantes na formulação de questões e hipóteses, que depois serão respondidas e validadas por eles mesmos.

Abaixo deixo trecho de uma das narrativas que usamos em nossas tutorias. Um cheirinho para que vocês entendam o jeito da coisa.

— Conhecer a história do Van Gogh pela obra de Antoin Artaud me deixou ainda mais apaixonada pelo artista. Já amava a sua obra, mas passei amá-lo como pessoa.
— A história dele é incrível. E agora posso todo dia dar uma espiadinha no meu quadro favorito. A Noite Estrelada está logo ali, naquela sessão - e apontou com os dedos para uma sala perto do fim do corredor.
— Eu gosto de todos. Todos mesmo. Noite Estrelada e os dos girassóis são incríveis. Mas o meu preferido ainda é O Par de Sapato, não só pela sua beleza estética, sabe? mas a pintura conseguiu despertar até uma discussão entre Heidegger e Schapiro sobre a compreensão da noção de obra de arte.

Os alunos são estimulados a ler os textos com cautela e senso crítico, porque sabem que serão avaliados pelas perguntas que fazem e não somente pelas respostas. O processo é o inverso de ler um texto e ter que responder uma prova.

Aqui tem alguns exemplos de perguntas elaboradas pelos estudantes a partir da leitura do texto:

- Quem foi Antoin Artaud e o que ele produziu sobre Van Gogh? Qual o argumento social que ele aborda? Por que isso emociona as pessoas?

- O que pode ser entendido como arte? Quais as posições de Heidegger e Schapiro?

De forma prática, essas atividades acontecem presencialmente em uma unidade curricular chamada Tutoria. Em grupo, os estudantes leem os textos, discutem entre eles e geram uma lista com termos desconhecidos e perguntas sobre o conteúdo.

E o trabalho não para por aí.

Os estudantes precisam ir em busca das respostas. Não somos nós, os docentes, que damos o a resolução para as questões. Eles pesquisam por informações, validam as fontes e redigem uma resposta adequada, cientes que serão avaliados por todos esses fatores.

Os estudantes fazem a busca pelas respostas de maneira autônoma, durante o estudo autodirigido, e levam suas conclusões para discutir na sessão de tutoria seguinte. Este é o momento em que os docentes estimulam o debate entre os alunos para que diferentes visões, fontes e perspectivas se choquem e se solidifiquem em conhecimento.

Eu trabalho há mais de 10 anos com metodologias ativas e digo sem medo que, na minha experiência, este é um dos percursos de aprendizagem mais envolventes e estimulantes. Até porque tudo começa com os estudantes fazendo suas próprias perguntas.

Diogo Cortiz
Professor na PUC-SP e pesquisador no NIC.br. Doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela PUC-SP, com PhD fellowship pela Université Paris I – Sorbonne. Especialista em Neurociência e Comportamento. Fez estágio pós-doc em Realidade Virtual e Metaverso na Universidade de Salamanca, Espanha. Foi professor visitante no laboratório de Ciência Cognitiva da Queen Mary University of London. Coordena o programa de Mestrado e Doutorado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP.

Quer aprender mais sobre os fundamentos de funcionamento da mente humana? Recomendo meu curso de Ciência Cognitiva :)

Uma imagem de Diogo Cortiz ao lado do termo escrito Ciência Cognitiva