Passava um pouco das onze da noite. Eu estava deitado para dormir, quando peguei o celular para conferir mais uma vez as redes sociais. Não foi algo consciente, e só me dei conta disso depois de uns 30 minutos rolando o feed em diferentes redes sociais. Foi então que comecei a entender que este tipo de comportamento automático se repetia a todo momento. Quando estava assistindo a um filme ou em conversas com amigos.

A professora do MIT, Sherry Turkle, em seu livro “Alone Together”, de 2012, argumentava que as redes sociais estavam nos deixando mais solitários e que esperávamos mais da tecnologia e menos dos outros. Naquela época, as redes sociais ainda estavam na sua infância, mas agora se consolidaram como espaços centrais no relacionamento humano.

As bigtechs investiram muito em Design para deixar os aplicativos com interfaces sedutoras e fáceis de serem usadas, ao mesmo tempo que exploraram o conhecimento sobre psicologia e neurociência para projetar interações que habituassem o comportamento dos usuários.

Um estudo de 2013, realizado pela firma de venture capital Kleiner Perkins, mostrou que as pessoas checam o celular em média 110 vezes por dia. Não bastasse esse número impressionante, em 2022, uma pesquisa da Reviews.org atualizou a frequência para 344 vezes por dia – em média um acesso a cada 4 minutos.

Este efeito pode ter várias causas: a mudança do nosso padrão de vida, a digitalização de quase tudo, mas também tem o dedo de quem criou artimanhas para que esse fosse o resultado desejado. Em uma entrevista ao The Guardian, o ex-presidente do Facebook Sean Parker confessou que o botão de “curtir” fora pensado para dar um pico de dopamina e fazer os usuários postarem mais e mais.

Décadas antes, o psicólogo B.F. Skinner havia demonstrado ser possível aumentar a frequência do comportamento de um organismo utilizando estímulos reforçadores e recompensas. Suas descobertas vieram a partir de pequenas caixas experimentais com   animais, como ratos e pombos, que tipicamente apertavam barras para receber comida ou água.

Hoje parece que nós somos os ratinhos em busca de recompensa em forma de curtidas e comentários. A hipótese de que as redes sociais são desenhadas para habituar nosso comportamento não é nova, mas recentemente ganhou evidências mais robustas com um artigo publicado na Nature. O estudo demonstrou que, de fato, as redes sociais se parecem com as caixas experimentais e que nosso comportamento digital é similar aos dos animais em busca de comida.

Os pesquisadores analisaram mais de 1 milhão de posts de 4 mil usuários em diferentes redes sociais. Descobriram que as pessoas fazem de tudo para maximizar as recompensas. Elas chegam até mesmo a cronometrar, ainda que de forma inconsciente, o tempo de suas publicações para aumentar a quantidade de curtidas.

Skinner havia descrito bem esse tipo de comportamento, mas o avanço da neurociência nos trouxe informações adicionais sobre essa busca por recompensas. E tudo está relacionado com a dopamina, o neurotransmissor mais POP dos últimos anos. É ele que nos inspira a agir para alcançar nossos desejos e necessidades. E há muitas evidências científicas de que tenha um papel fundamental na formação de hábitos e vícios.

Nenhuma rede social teve um sucesso tão avassalador recentemente como o TikTok. O aplicativo foi o mais baixado no último ano e mudou a regra do jogo ao introduzir um novo tipo de interação com vídeos curtos (“shorts”), fazendo seus competidores correrem para copiar esta funcionalidade.

Eu particularmente não vejo o TikTok como uma rede social, mas como uma plataforma de entretenimento com uma ótima entrega de conteúdo. Quando uso a ferramenta, estou mais interessado no material que vou receber do que em quem o tenha postado. E neste quesito, o aplicativo é imbatível.

Não é por menos que a maioria de especialistas e pesquisadores atribuem o sucesso da ferramenta ao seu algoritmo de recomendação, capaz de indicar vídeos personalizados para cada um dos seus milhões de usuários. É o palco perfeito para sequestrar a atenção das pessoas.

A forma de interação é outro diferencial. Basta fazer um rápido movimento com o dedo para que um novo vídeo preencha toda a tela. A troca entre estímulos é muito rápida, com a promessa de que o próximo será sempre melhor. Isso faz o usuário buscar por mais e mais recompensa, o que está relacionado com o mecanismo de funcionamento da dopamina.

Em um recente estudo publicado na Neuroimage, pesquisadores notaram que quando os usuários do TikTok recebem vídeos indicados pelo algoritmo do TikTok há uma maior ativação na área do cérebro associado com a dopamina e o sistema de recompensa. Os resultados sugerem que o algoritmo é capaz de descobrir conteúdos que regulam a atividade de regiões do cérebro para reforçar o nosso comportamento, um dos motivos do TikTok ser tão viciante.

Entramos na era em que a Inteligência Artificial pode reconhecer os estímulos mais recompensadores para cada pessoa. Antes eram os detalhes no Design na plataforma que nos seduziam para ficar o máximo de tempo por lá, agora isso ganha outra escala e velocidade com os algoritmos.

As consequências disso, para a sociedade, podem ser as mais diversas. Ainda não sabemos de tudo, mas precisamos discutir com mais cuidado. A China é um dos primeiros países a propor medidas para regular os sistemas de recomendação, permitindo, inclusive, que o usuário desative totalmente a personalização. Além da motivação econômica e de negócios, a medida tem um valor sociotécnico importante ao tirar o monopólio da curadoria dos algoritmos e, de certa forma, devolver autonomia aos usuários.

Se você quiser aprender mais da relação entre dopamina e os algoritmos das redes sociais, recomendo a aula aberta e gratuita disponibilizada na di.school.