Neurociência e personagens de ficção. O que uma coisa tem a ver com a outra?
Você já criou algum laço afetivo com um personagem?
Já sentiu uma relação de amizade entre vocês?
Ou então se colocou no lugar dele?
Existem muitos relatos de educadores que se dizem totalmente inspirados pelos personagem de Robbin Wilians, no filme Sociedade dos Poetas Mortos. Muitas mulheres também expressaram publicamente que o seu interesse pela área da saúde veio da personagem Meredith Grey de “Grey’s Anatomy”
Um estudo publicado recentemente no journal Social Cognitive and Affective Neuroscience descobriu que quanto mais as pessoas mergulham em uma história, mais elas “se tornam” o personagem fictício. Isso se refletiu até mesmo em mudanças de ativação em uma área do cérebro associada ao pensamento sobre nós mesmos: o Córtex Pré-frontal Ventromedial.
Para começar, vamos entender que as pesquisas sobre experiências narrativas se concentraram em dois processos: relação parassocial e relação de identificação.
A relação parassocial é aquela relação unilateral que alguém cria com uma figura da mídia (uma celebridade, um digital influencer) ou um personagem fictício. É quando o sentimento de apego persiste além da narrativa imediata ou experiência da mídia. Algo como se fosse uma amizade contínua, mas que na verdade só existe em um sentido: da pessoa para a celebridade.
A relação de identificação com um personagem fictício, por outro lado, pode ser vista como uma forma de transporte narrativo. É quando nos colocamos na perspectiva psicológica em 1a pessoa do personagem, adotando seus pontos de vistas, objetivos e estados mentais.
Enquanto o processo parassocial envolve imaginar-se interagindo com um personagem, a identificação envolve uma perda do senso de identidade própria. Em essência a gente “se torna” o personagem durante a experiência narrativa.
A identificação é teorizada como um processo que expande os limites do self, permitindo que alguém adote mais identidades, perspectivas e experiências. E há evidências que isso continua a influenciar as pessoas mesmo após o termino da experiência narrativa.
Mas, agora: O que acontece com nosso cérebro quando ficamos imersos na ficção?
Os pesquisadores deste artigo descobriram que quanto mais as pessoas imersas na narrativa tendem a se “tornar” um personagem fictício, mais usam a parte do cérebro utilizada para pensar sobre si mesmas.
O estudo usou a tecnologia de fMRI, que basicamente mede indiretamente a atividade em várias partes do cérebro por meio de pequenas mudanças no fluxo sanguíneo. Os pesquisadores escanearam (fMRI) os cérebros de 19 fãs da série “Game of Thrones” enquanto eles pensavam em si mesmos, em nove amigos e nove personagens da série.
O procedimento foi assim: antes do escaneamento, os participantes responderam um formulário sobre quais personagens da séries tinham maior proximidade e gostavam mais.
Enquanto estavam na fMRI, os participantes viram uma série de nomes – às vezes eles próprios, às vezes um de seus nove amigos e outras vezes um dos nove personagens de “Game of Thrones”. Cada nome apareceu acima de uma característica, como solitário, triste, confiável ou inteligente. Os participantes simplesmente diziam “sim” ou “não” se concordavam com a associação.
Os pesquisadores estavam particularmente interessados no que estava acontecendo em uma parte do cérebro chamada Córtex Pré-frontal Ventromedial(vMPFC), que, entre outras coisas, se mostra bastante ativa quando as pessoas pensam sobre si mesmas e, em menor grau, quando pensam em amigos íntimos.
Como esperado, o vMPFC foi mais ativo quando as pessoas estavam se avaliando, menos ativo quando avaliaram amigos e menos ativo (em média) quando avaliaram personagens de “Game of Thrones”.
Mas, para os personagens com quem as pessoas se identificavam mais, o Córtex Pré-frontal Ventromedial (vMPFC) apresentou maior ativação. E a área ficou especialmente mai ativa quando avaliaram o caráter que se sentiam mais próximo ou gostavam mais.
Pesquisas em diversas áreas (ciência cognitiva, comunicação, psicologia experimental) já demonstravam evidências empíricas de que a identificação com um personagem fictício pode levar a mudanças nas crenças, atitudes e comportamentos dos indivíduos.
Este estudo expandiu o escopo e destacou um mecanismo neural potencial pelo qual essas mudanças podem ocorrer. Nas palavras finais dos autores, “Quando os indivíduos vivenciam histórias como se fossem um dos personagens, uma conexão é formada e, esse personagem se torna entrelaçado com a própria pessoa”.
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